sábado, 8 de outubro de 2011

Novo nome

Mudei o nome do blog. Não gostava do nome anterior e demorei para pensar em outro. A inspiração foi o belo filme de Terry Gillian: O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus (The Imaginarium of Doctor Parnassus). 

domingo, 12 de junho de 2011

Açúcar e Sol


Crédito da Imagem:
          
     O dia estava terrivelmente quente. O Sol castigava asperamente a superfície de todas as coisas.
     A garotinha, teimosa, saiu de casa e deitou-se à beira da piscina, um pouco embaixo do guarda-sol, um pouco fora dele. Ela ajeitou cuidadosamente as longas tranças e relaxou. A seu lado, um copo desafiadoramente gelado de limonada suava.
    O Sol, cansado do próprio calor, não resistiu e mergulhou no copo de limonada gelada. A menina distraída bebeu a limonada adoçada com açúcar e Sol e por um longo instante houve escuridão total.
    Quando o dia voltou, a garotinha havia desaparecido e até hoje ninguém sabe dela. O que se sabe é que hoje em dia o Sol tem lindas e longas tranças.


FIM

sábado, 11 de junho de 2011

Pesadelo

Crédito da Imagem:



Ela passou e sorriu, bela e distante,
como a foto de um iceberg na National Geographic
ele tremeu e acordou, assustado

Sentiu-se velho
queria ser jovem
queria ser amado novamente por garotas de vinte e poucos anos
que passam e sorriem

Suspirou,
a seu lado sua esposa, tão antiga quanto ele, ronronava no sono
Afastando o lençol  admirou o corpo dela,
tão belamente acostumado com a passagem do tempo

Lembrou de como as promessas das moças de vinte e poucos anos são frágeis
e, abraçando apertado a mulher, caiu no sono novamente


domingo, 15 de maio de 2011

Para começar







Este blog foi criado num impulso. Estava lendo um belo livro de poemas de Leonard Cohen e me veio a ideia do blog. Não me perguntem a ligação cósmica entre o grande artista canadense e os blogs. Simplesmente foi algo que me ocorreu. Talvez fruto de um domingo solitário e chuvoso em SP. Aí vai minha primeira postagem. É um conto que tenho guardado já há algum tempo. Várias pessoas já leram. Algumas gostaram outras nem tanto. Mas me parece um texto de fantasia pelo menos razoável.

Quanto a este conto ele reúne inspirações inusitadas: de um episódio da série animada de Aladdin, passando por um livro de Alan Moore e minha paixão pela obra de Neil Gaiman e a ideia de contar uma história "nova" que soe ancestral.



 A Árvore do Rei


Havia um reino, agora esquecido, que fora construído sobre a felicidade de seus monarcas. Era um reino justo, próspero e poderoso que nasceu no dia em que sua rainha, uma filha da Terra, passeando longe dos braços úmidos de sua mãe, apaixonou-se por um mercador que por ali passava a caminho de sua próxima venda. Numa troca de olhares e volúpias não confessadas, a elemental e o humano apaixonaram-se e fugiram para uma terra distante e desolada.
Naquele lugar que escolheram para viver construíram sua casa. Na verdade a pedra fundamental daquele grande reino. Um bloco sólido de amor e desejo, moldado em corpo e espírito pelo casal.
A jovem amava o mercador e o mercador amava a filha da Terra. E quanto mais ele a amava, mais as terras da região tornavam-se férteis e ricas, pois a felicidade e o gozo da futura rainha espalhavam-se pela terra. Logo o deserto deixou de ser deserto, pois o amor deles era grande.
As pessoas começaram a chegar de todo lugar para cultivar aquelas terras férteis, construir suas casas e criar seus filhos. O povo que chegava, agradecido pela vida que o amor do casal semeou no deserto, construiu um belo e translúcido palácio e os aclamou, ao humano e a sua esposa elemental, como Rei e Rainha. E eles foram bons e justos monarcas e continuaram a se amar e o povo continuou a amá-los.
O Reino prosperou e atraiu a inveja de outros impérios, mas nenhum exército conseguiu derrotar as tropas reais e suas afiadas espadas forjadas com paixão e certeza.
Certa noite os campos, jardins e florestas do Reino floresceram com exuberância sobrenatural. O perfume doce das flores e dos frutos percorreu todos os domínios dos monarcas e os pastos transformaram-se em oceanos verdes de vida para os rebanhos. Nessa noite, finalmente, a Rainha estava grávida. Quando a criança nasceu, uma menina, as colheitas, o vinho e as danças foram melhores do que nunca e tratados de paz com reinos vizinhos foram assinados.
Restava apenas um império que representava alguma ameaça, embora seus exércitos já houvessem praticamente se dispersado. No entanto, seu astuto rei resolveu fazer uma última tentativa enviando um exército de uma só pessoa: sua filha única.
A bela filha do beligerante monarca foi recebida no palácio translúcido como uma prova de boa vontade do casal de governantes. Ela ficaria o tempo que quisesse, conheceria as benesses do Reino e falaria a seu pai, quando retornasse, como seria bom fazer a paz e comerciar com aquele reino alicerçado no amor de seus regentes.
E assim ela ficou. Fez-se amiga dos monarcas, dos criados, dos habitantes que conheceu e jurou a todos que, em cada carta que escrevia a seu pai, tentava convencê-lo a assinar um tratado de paz.
A filha do reino vizinho era muito jovem e muito bela e logo começou a chamar a atenção do monarca que a hospedava. Não que ele amasse menos sua Rainha elemental, ou que ela fosse menos bela, mas ele era apenas humano e homem, sempre ansiando pelo que não pode ter .
A jovem, seguindo as instruções de seu Pai-general, logo tratou de corresponder aos olhares do Rei.
Certa noite a Princesa-soldado pediu ao Rei e à Rainha, em separado, que a encontrassem nos aposentos de hóspedes do palácio translúcido para ajudá-la a escrever a derradeira carta a seu pai, implorando a ele que assinasse o tratado de paz.
O Rei, como ela havia planejado, foi o primeiro a chegar, pois ela marcou horas diferentes para cada um. Ela o esperava nua, seu corpo moreno e perfeito era como uma aparição mágica desenhado pelo luar. O Rei hesitou, é verdade, mas por fim cedeu aos seus desejos. Ato concluído, ainda nus, ela o detém para um último beijo enquanto ele ensaia uma apressada saída da cama. A Rainha entra, bem na hora combinada com a Princesa-soldado. A monarca nada fala. Apenas bate a porta e sai correndo, enquanto o Rei apressa-se para vestir as roupas e alcançá-la.
Naquela noite, enquanto a Rainha vagava em prantos e fúria pelos corredores do palácio, ignorando as súplicas do Rei, os campos morreram, as árvores caíram, as flores murcharam e os frutos apodreceram. Um odor de alegria decomposta tomou conta do Reino.
As outrora orgulhosas tropas do Reino perderam seu ímpeto e as espadas forjadas na paixão e na certeza perderam seu fio.
Sentindo o cheiro de alegria decomposta e da fraqueza florescente no ar, o pai da Princesa-soldado ordenou a suas poucas tropas a invasão. E elas foram o bastante.
Quando finalmente chegaram, com seu estandarte vermelho-sangue, ao palácio translúcido, o prédio estava vazio. Nem o Rei, a Rainha ou o bebê estavam lá, e a Princesa-soldado jazia morta no quarto de hóspedes, com o punhal do Rei cravado em seu peito.
A Rainha Elemental nunca mais foi vista, assim como sua princesinha. Talvez tenham voltado para os braços quentes da Mãe-Terra.
̶ E o Rei - perguntou ávida uma das crianças sentadas, junto com alguns adultos, ao redor do Contador de Histórias na praça central da vila.
̶ Também nunca mais foi visto. Dizem que até hoje ele procura pela mulher e pela filha ̶ esclarece o Contador.
O relógio badala, teimosamente avisando que é hora de ir para casa. A pequena multidão começa a dispersar-se, satisfeita com o material de sonhos que recolheu hoje do Contador.
Um velho, ao fundo, tosse e tenta pesarosamente afastar-se das pessoas. Como um Atlas de gravetos ele parece tentar carregar um peso enorme para fora da praça. O Contador de Histórias aproxima-se:
̶ O senhor não parece bem. Gostaria de ir até minha casa? Posso oferecer um prato de comida e uma cama para esta noite se o senhor quiser.
O velho aceita, hesitante, a oferta e eles caminham lentamente até a casa do rapaz, ali perto.
Enquanto o Contador de Histórias corre para abraçar a filhinha que vem em sua direção, o ancião para bem mais afastado e observa à distância.
A menina, agarrada ao pescoço do pai, ri freneticamente, enquanto a bela esposa do Contador de Histórias aproxima-se e abraça esposo e filha. O Contador tira de algum bolso um botão de rosa meio murcho e triste e entrega à esposa. Ela abraça o marido com força, sorri, pendura-se em seu pescoço e beija-o apaixonadamente. Em sua mão o botão de rosa desabrocha como um sorriso vermelho de paixão fecundado pela felicidade da moça.
Os olhos do velho enchem-se de água diante da cena e da rosa vermelha.
̶ Você continua repetindo aquela velha história que minha mãe lhe contou? ̶ diz a esposa.
̶ As pessoas adoram ouvi-la. Vou pedir a ela que me ensine mais dessas histórias ̶ ele responde.
̶ Venha, vamos jantar. Filha vamos - ela chama.
̶ Espera. Tem um senhor... ̶ ele vira-se, mas o velho já desapareceu nas sombras da noite nascente.
̶ O que foi, querido?
̶ Nada, nada, deixa pra lá.
E os três entram, passando pelo colorido e exuberância sobrenaturais do jardim em frente à casa.
Enquanto o velho virava uma esquina para afastar-se da casa deparou-se com uma visão totalmente inesperada: lá estava ela a sua frente: Sua Rainha elemental. Mais velha, é verdade, mas igualmente linda. Ela não disse nada. Ele apenas a olhou e falou aquilo que esperara anos para dizer:
̶ Sinto muito.
Ela sorriu. E foi um sorriso que pareceu a ele capturar toda graça do mundo.
Ele seguiu seu caminho e desapareceu nas sombras.
Algum tempo depois o velho que fora rei morreu. A Rainha Elemental visitou seu túmulo e, apesar de tudo, chorou por ele. De suas lágrimas nasceu uma bela árvore, da qual, durante o ano todo, brotavam frutos agridoces.


FIM