Este blog foi criado num impulso. Estava lendo um belo livro de poemas de Leonard Cohen e me veio a ideia do blog. Não me perguntem a ligação cósmica entre o grande artista canadense e os blogs. Simplesmente foi algo que me ocorreu. Talvez fruto de um domingo solitário e chuvoso em SP. Aí vai minha primeira postagem. É um conto que tenho guardado já há algum tempo. Várias pessoas já leram. Algumas gostaram outras nem tanto. Mas me parece um texto de fantasia pelo menos razoável.
Quanto a este conto ele reúne inspirações inusitadas: de um episódio da série animada de Aladdin, passando por um livro de Alan Moore e minha paixão pela obra de Neil Gaiman e a ideia de contar uma história "nova" que soe ancestral.
A Árvore do Rei
Havia
um reino, agora esquecido, que fora construído sobre a felicidade de
seus monarcas. Era um reino justo, próspero e poderoso que nasceu no
dia em que sua rainha, uma filha da Terra, passeando longe dos braços
úmidos de sua mãe, apaixonou-se por um mercador que por ali passava
a caminho de sua próxima venda. Numa troca de olhares e volúpias
não confessadas, a elemental e o humano apaixonaram-se e fugiram
para uma terra distante e desolada.
Naquele
lugar que escolheram para viver construíram sua casa. Na verdade a
pedra fundamental daquele grande reino. Um bloco sólido de amor e
desejo, moldado em corpo e espírito pelo casal.
A
jovem amava o mercador e o mercador amava a filha da Terra. E quanto
mais ele a amava, mais as terras da região tornavam-se férteis e
ricas, pois a felicidade e o gozo da futura rainha espalhavam-se pela
terra. Logo o deserto deixou de ser deserto, pois o amor deles era
grande.
As
pessoas começaram a chegar de todo lugar para cultivar aquelas
terras férteis, construir suas casas e criar seus filhos. O povo que
chegava, agradecido pela vida que o amor do casal semeou no deserto,
construiu um belo e translúcido palácio e os aclamou, ao humano e a
sua esposa elemental, como Rei e Rainha. E eles foram bons e justos
monarcas e continuaram a se amar e o povo continuou a amá-los.
O
Reino prosperou e atraiu a inveja de outros impérios, mas nenhum
exército conseguiu derrotar as tropas reais e suas afiadas espadas
forjadas com paixão e certeza.
Certa
noite os campos, jardins e florestas do Reino floresceram com
exuberância sobrenatural. O perfume doce das flores e dos frutos
percorreu todos os domínios dos monarcas e os pastos
transformaram-se em oceanos verdes de vida para os rebanhos. Nessa
noite, finalmente, a Rainha estava grávida. Quando a criança
nasceu, uma menina, as colheitas, o vinho e as danças foram melhores
do que nunca e tratados de paz com reinos vizinhos foram assinados.
Restava
apenas um império que representava alguma ameaça, embora seus
exércitos já houvessem praticamente se dispersado. No entanto, seu
astuto rei resolveu fazer uma última tentativa enviando um exército
de uma só pessoa: sua filha única.
A
bela filha do beligerante monarca foi recebida no palácio
translúcido como uma prova de boa vontade do casal de governantes.
Ela ficaria o tempo que quisesse, conheceria as benesses do Reino e
falaria a seu pai, quando retornasse, como seria bom fazer a paz e
comerciar com aquele reino alicerçado no amor de seus regentes.
E
assim ela ficou. Fez-se amiga dos monarcas, dos criados, dos
habitantes que conheceu e jurou a todos que, em cada carta que
escrevia a seu pai, tentava convencê-lo a assinar um tratado de paz.
A
filha do reino vizinho era muito jovem e muito bela e logo começou a
chamar a atenção do monarca que a hospedava. Não que ele amasse
menos sua Rainha elemental, ou que ela fosse menos bela, mas ele era
apenas humano e homem, sempre ansiando pelo que não pode ter .
A
jovem, seguindo as instruções de seu Pai-general, logo tratou de
corresponder aos olhares do Rei.
Certa
noite a Princesa-soldado pediu ao Rei e à Rainha, em separado, que a
encontrassem nos aposentos de hóspedes do palácio translúcido para
ajudá-la a escrever a derradeira carta a seu pai, implorando a ele
que assinasse o tratado de paz.
O
Rei, como ela havia planejado, foi o primeiro a chegar, pois ela
marcou horas diferentes para cada um. Ela o esperava nua, seu corpo
moreno e perfeito era como uma aparição mágica desenhado pelo
luar. O Rei hesitou, é verdade, mas por fim cedeu aos seus desejos.
Ato concluído, ainda nus, ela o detém para um último beijo
enquanto ele ensaia uma apressada saída da cama. A Rainha entra, bem
na hora combinada com a Princesa-soldado. A monarca nada fala. Apenas
bate a porta e sai correndo, enquanto o Rei apressa-se para vestir as
roupas e alcançá-la.
Naquela
noite, enquanto a Rainha vagava em prantos e fúria pelos corredores
do palácio, ignorando as súplicas do Rei, os campos morreram, as
árvores caíram, as flores murcharam e os frutos apodreceram. Um
odor de alegria decomposta tomou conta do Reino.
As
outrora orgulhosas tropas do Reino perderam seu ímpeto e as espadas
forjadas na paixão e na certeza perderam seu fio.
Sentindo
o cheiro de alegria decomposta e da fraqueza florescente no ar, o pai
da Princesa-soldado ordenou a suas poucas tropas a invasão. E elas
foram o bastante.
Quando
finalmente chegaram, com seu estandarte vermelho-sangue, ao palácio
translúcido, o prédio estava vazio. Nem o Rei, a Rainha ou o bebê
estavam lá, e a Princesa-soldado jazia morta no quarto de hóspedes,
com o punhal do Rei cravado em seu peito.
A
Rainha Elemental nunca mais foi vista, assim como sua princesinha.
Talvez tenham voltado para os braços quentes da Mãe-Terra.
̶ E
o Rei - perguntou ávida uma das crianças sentadas, junto com alguns
adultos, ao redor do Contador de Histórias na praça central da
vila.
̶
Também nunca mais foi visto. Dizem que até hoje ele procura pela
mulher e pela filha ̶ esclarece o Contador.
O
relógio badala, teimosamente avisando que é hora de ir para casa. A
pequena multidão começa a dispersar-se, satisfeita com o material
de sonhos que recolheu hoje do Contador.
Um
velho, ao fundo, tosse e tenta pesarosamente afastar-se das pessoas.
Como um Atlas de gravetos ele parece tentar carregar um peso enorme
para fora da praça. O Contador de Histórias aproxima-se:
̶ O
senhor não parece bem. Gostaria de ir até minha casa? Posso
oferecer um prato de comida e uma cama para esta noite se o senhor
quiser.
O
velho aceita, hesitante, a oferta e eles caminham lentamente até a
casa do rapaz, ali perto.
Enquanto
o Contador de Histórias corre para abraçar a filhinha que vem em
sua direção, o ancião para bem mais afastado e observa à
distância.
A
menina, agarrada ao pescoço do pai, ri freneticamente, enquanto a
bela esposa do Contador de Histórias aproxima-se e abraça esposo e
filha. O Contador tira de algum bolso um botão de rosa meio murcho e
triste e entrega à esposa. Ela abraça o marido com força, sorri,
pendura-se em seu pescoço e beija-o apaixonadamente. Em sua mão o
botão de rosa desabrocha como um sorriso vermelho de paixão
fecundado pela felicidade da moça.
Os
olhos do velho enchem-se de água diante da cena e da rosa vermelha.
̶
Você continua repetindo aquela velha história que minha mãe lhe
contou? ̶ diz a esposa.
̶ As
pessoas adoram ouvi-la. Vou pedir a ela que me ensine mais dessas
histórias ̶ ele responde.
̶
Venha, vamos jantar. Filha vamos - ela chama.
̶
Espera. Tem um senhor... ̶ ele vira-se, mas o velho já desapareceu
nas sombras da noite nascente.
̶ O
que foi, querido?
̶
Nada, nada, deixa pra lá.
E os
três entram, passando pelo colorido e exuberância sobrenaturais do
jardim em frente à casa.
Enquanto
o velho virava uma esquina para afastar-se da casa deparou-se com uma
visão totalmente inesperada: lá estava ela a sua frente: Sua Rainha
elemental. Mais velha, é verdade, mas igualmente linda. Ela não
disse nada. Ele apenas a olhou e falou aquilo que esperara anos para
dizer:
̶
Sinto muito.
Ela
sorriu. E foi um sorriso que pareceu a ele capturar toda graça do
mundo.
Ele
seguiu seu caminho e desapareceu nas sombras.
Algum
tempo depois o velho que fora rei morreu. A Rainha Elemental visitou
seu túmulo e, apesar de tudo, chorou por ele. De suas lágrimas
nasceu uma bela árvore, da qual, durante o ano todo, brotavam frutos
agridoces.
FIM
historia maravilhosa e que te faz entrar no contexto, adoro contos, e esse é muito mais lindooo. parabensss
ResponderExcluirDecidi começar a ler os teus posts por ordem cronológica e não me arrependo porque o primeiro texto que leio é uma bela história de amor. Daquelas que fazem sonhar. :)
ResponderExcluirMuito obrigado mesmo por ler e comentar, Nícia.
ExcluirUaaal!! Um belo conto de amor.
ResponderExcluirMuito obrigado Dâmaris. Fico realmente contente que gostou.
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